Covid-19 grave se manifesta de maneira diferente nas crianças, mostra relatório da USP


Quadros infantis da doença manifestam-se diferentemente em organismos que não possuem comorbidades e, embora ainda exista o envolvimento pulmonar, o órgão mais afetado é, na maioria das vezes, o coração, seguido pelo cérebro e tubo digestivo, explica pesquisador da USP, que participa de novo estudo

Apesar de as crianças serem, geralmente, assintomáticas ou apresentarem formas leves de covid-19, casos pediátricos graves e fatais da doença estão sendo registrados. O estudo, segundo a USP, busca entender como o vírus desenvolve-se no organismo e sua reação a ele. “Imaginávamos que as crianças estariam isentas de riscos”, afirmou o médico patologista Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição. “Mas o Brasil é um dos países que mais tiveram casos sintomáticos de covid em criança”, complementa.

O professor, que é um dos responsáveis por um novo estudo que tenta entender como o vírus atua no organismo das crianças, relata que os quadros infantis da doença manifestam-se diferentemente em organismos que não possuem comorbidades. Nesses casos, embora ainda exista o envolvimento pulmonar, o órgão mais afetado é, em sua maioria, o coração, seguido pelo cérebro e tubo digestivo. A presença do vírus nesses órgãos explica a manifestação da doença na forma de diarreia, convulsões e insuficiência cardíaca, dependendo do local onde o vírus está instalado.

Esse tipo de resposta do organismo infantil, de acordo com Saldiva, está ligado à reação inflamatória que a criança monta contra aquele vírus, com o intuito de destruir o vírus presente naquele órgão, que também promove lesões nele. Em termos de tratamento, como forma de impedir o agravamento da manifestação viral, altas doses de imunossupressor seriam uma forma de impedir esse cenário.

O professor compara a reação da covid no organismo com casos ocorridos em jovens de febre amarela silvestre durante o surto que ocorreu entre 2017 e 2018. A similaridade entre o agravamento da inflamação, que levava a óbito, gerava uma taxa de mortalidade de 70%. Ao introduzir tratamentos para combater a resposta inflamatória do organismo, houve uma substancial redução da mortalidade, que caiu para cerca de 30%. “Ele migra; ele tem uma chave que abre a porta da célula de vários órgãos”, explica. “Nesses órgãos, uma vez instalado pela potência dos sistemas de combate a agentes infecciosos que a criança dispõe, ela acaba por somar a agressão do vírus”, completa.

A publicação do artigo descreve a síndrome inflamatória multissistêmica, tanto em sua forma clássica quanto a infantil, como forma de orientar profissionais da saúde para salvar ou tratar com o mínimo de sequelas casos similares aos estudados. O Brasil ainda tem um problema em torno da capacitação de profissionais para lidar com essas situações. De acordo com Saldiva, a capacitação de profissionais da saúde no tratamento de casos críticos ficou em segundo plano devido à necessidade de aumentar a capacidade de unidades de terapia intensiva e compra de equipamentos. O professor destaca iniciativas como a da USP, que, para remediar essa situação, cede treinamento de UTIs a distância, uma espécie de sala com prontuário eletrônico com um aprendizado em serviço supervisionado. Segundo ele, as unidades que adotaram esse programa tiveram quedas substanciais nas unidades de terapia intensiva.

Fonte : Revista Crescer ( GLOBO )

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